Economia Circular: a inspiração da sustentabilidade ainda pulsa

Pedro Rivas

Doutor pela Rennes Business School (França), PMP. Professor (ESPM). Cultura, Comunicação e Sustentabilidade.

Sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, transição, capitalismo consciente, responsabilidade social corporativa. São todos conceitos que tangenciam a ética e a necessidade de um uso consciente dos recursos naturais, principalmente pelas organizações. Ao final, muitos são os conceitos, mas os resultados da atuação da humanidade na natureza nos mostra que algo não vai bem.

O conceito de responsabilidade socioambiental, amplamente difundido, ganhou os organogramas das empresas, mas sabemos que, em muitos casos, o que vemos são ações paliativas, que buscam orientar esforços de relações públicas para extrair ainda mais benefícios das relações com as comunidades e com o meio ambiente. Por vezes, tenta-se comunicar realizações, fruto de exigências legais (de caráter compensatório e condicionantes para continuidade operacional) como práticas voluntárias, como se fossem nascidas de um consciência socioambiental da empresa.

Algumas abordagens mais recentes, no campo da sustentabilidade, vêm ganhando notoriedade, e espaço no mundo. Uma delas é a Economia Circular. Ainda engatinhando no Brasil, o conceito propõe a reformulação da lógica do desenvolvimento de produtos e serviços, com o firme propósito de chegar até o ‘resíduo zero’.

Dentro dos princípios da economia circular não há espaço para o conceito de ‘mal menor’, onde poderia valer a pena realizar uma ação apenas em função de uma redução dos impactos de um produto. A economia circular convida as empresas a repensarem de forma profunda seus processos. Em muitos casos, as empresas conseguem desenvolver produtos sustentáveis e ambientalmente corretos, mais duráveis, seguros, inspiradores, e até mais baratos.

Os gigantes estão se movimentando neste sentido. Nos Estados Unidos e Canadá consumidores podem levar suas peças de jeans (denim) em lojas da Levis Strauss e obter 20% de desconto em novos produtos. Estas peças podem posteriormente ser reaproveitadas para revestimentos na construção de casas de baixo custo. (fonte: https://www.nikecirculardesign.com/guides/CircularityGuide.pdf)

A Nike lançou uma frente rumo ao design circular. A empresa desenvolveu a Tierra Flon Rain Jacket, que trata-se de um casaco feito apenas de poliéster 100% reciclado. Ao invés de combinar diferentes insumos, ao criar um produto ‘mono-material’ a empresa evita a necessidade de separação destes componentes durante um posterior processo de reciclagem.

Pura estratégia de marca? Inovação real? Vamos lá. No site, https://www.nikecirculardesign.com/, é possível encontrar muitas iniciativas da empresa, e o Guia “Circularity: Guinding the Future of Design, feito em colaboração com “Central Saint Martins, University of the Arts London, e inspirado a partir da Global Fashion Agenda, e insights da Fundação Ellen MacArthur Foundation”, instituição que é referência mundial sobre o tema.

A empresa também já lançou desafios para designers de todo o mundo, para que participassem dos seus esforços na reutilização de materiais vindos dos seus produtos. No site ainda não há informações suficientes para termos uma visão substancial destas inovações, ou de quanto cada projeto representa na cadeia de produção da empresa como um todo. Sigamos pesquisando.

No livro ‘Cradle to Cradle: Criar e reciclar ilimitadamente’, expressão em inglês que quer dizer ‘do berço ao berço’, o arquiteto americano William McDonough e o engenheiro químico alemão Michael Braungart apresentam os princípios e exemplos de como uma lógica circular, além de urgente, pode transformar nossa maneira de pensar o desenvolvimento de novos produtos.

Como fonte de inspiração, temos aqui a própria natureza. De maneira clara, os autores convidam a enxergar a incrível capacidade da natureza de trabalhar com desperdício zero, enquanto é capaz de produzir uma infinidade de materiais, de maneira limpa, contínua, e sem perdas.

Para a economia circular ‘o lixo é um erro de design’, e por isso ela nos desafia para além do princípio da sustentabilidade. Nós podemos mais. Podemos pensar além de apenas manter as coisas como estão. Podemos melhorar o meio ambiente, regenerar, requalificar.

Sistemas de esgoto podem ser projetados para permitir que a natureza faça o trabalho de decomposição dos dejetos humanos, de maneira segura e limpa. A destinação de detergentes e substâncias bactericidas junto com o esgoto atrasa o processo de decomposição. Desta forma, o modelo convencional de esgoto, que inclui diversos tratamentos químicos, acaba sendo um modelo ineficiente e poluente.

O livro Cradle to Cradle relata uma experiência, de 1992, em que Michael Braungart, um dos autores, atuou como consultor para a construção de um sistema de tratamento de esgoto em Silva Jardim, no estado do Rio de Janeiro, onde foi aplicada a lógica da economia circular. O resultado foi um canal usando tubos de argila conduzindo águas residuais, e ligados a tanques ‘cheios de uma assombrosa diversidade de plantas, micróbios, caramujos, peixes e camarões’. O subproduto deste sistema: água potável e limpa. A rede de esgoto ainda produzia um lodo altamente rico em nitrogênio, potássio, e fósforo, úteis para os agricultores locais, que também ‘disputavam’ o acesso a água produzida por esse sistema, para sua lavoura.

Os autores questionam por exemplo o conceito de ecoeficiência, justamente porque o conceito pode abrigar lógicas que não são de fato o melhor a ser feito. Eles trazem o conceito de ecofetividade, que direciona os esforços para soluções definitivas, de caráter holístico, que levam em consideração emissões de gases, descartes de produtos e materiais que são lançados na natureza com o desgaste natural (como materiais em pneus e solas de sapatos) temperatura dos ambientes internos e a energia gasta para aquecê-los ou resfriá-los, bem como o bom aproveitamento da luz natural.

A economia circular está servindo também de modelo para a implantação de projetos no nível da gestão de cidades. Amsterdã tem já um plano para se tornar 100% circular até 2050, e para isso precisará reformular profundamente a sua vida econômica e produtiva. Terá que reformular, por exemplo, a destinação do lixo, a construção civil e o compartilhamento de bens. A administração municipal pretende reduzir em 20% compras que envolvam ‘novos materiais’, e até 2030 pretende realizar exclusivamente compras circulares. É desafiador até imaginar como isso se dará, mas a administração comprou a missão.

Precisamos sonhar, e a economia circular nos dá esta possibilidade. Podemos pensar novamente em sermos sustentáveis, corretos, e elegantes em termos de design. Precisamos parar de enxugar gelo, deixar de se contentar com pouco ao tentar apenas tornar as coisas menos piores, e começarmos a fazer o que tem que ser feitoA natureza faz isso desde sempre. Certamente, podemos aprender e fazer com quem chegou aqui bem antes de nós.

 

Referências:

  • MCDONOUGH, William; BRAUNGART, Michael. Cradle to cradle: remaking the way we make things. New York: North Point Press, 2002. 193 p.
  • Circularidade na Nike: https://www.nikecirculardesign.com
  • Circularidade em Amsterdam: https://www.amsterdam.nl/en/policy/sustainability/circular-economy/
  • https://www.ellenmacarthurfoundation.org/resources/apply/circulytics-measuring-circularity 

Eu não sei se acontece com você. Novos conceitos, novas metodologias, novas abordagens têm sempre algum potencial de serem vistos de forma meio atravessada num ambiente profissional, a depender de onde esteja. Seria medo?

É preciso saber que quando se trata de inovação há sempre risco. Para a gente se disponibilizar para o novo, será preciso abrir mão de alguma zona de conforto. Mas a questão não é tão simples. Geralmente esse medo está entranhado. É preciso tempo e persistência para vencê-lo.

Muitas vezes um processo de inovação envolve reunir pessoas, desenvolver dinâmicas. “Precisa abraçar?” Pergunta o engraçadinho. Pois bem. Mais difícil do que participar daquelas dinâmicas de grupo é organizá-las. Sim. Se quando você participa de uma dinâmica, você tem medo de ser solicitado pra fazer algo, talvez seja porque você não conhece o medo de ter que pedir aquilo para as pessoas. Para organizar estes encontros, você precisa marcar aquela reunião, chamar as pessoas, lidar com os atrasos, como celular das pessoas, o whatsapp, os olhares, as queixas ocultas, a pressa para ir embora, e tudo mais. Tudo isso com a pressão de no final do processo apresentar um relatório que justifique todo aquele HH investido.

Depois de iniciado o encontro, mesmo que tudo comece direito, você terá ainda todo o trabalho pela frente. E não tem jeito: você terá que lidar com os silêncios, os vazios, a imprevisibilidade, a dúvida, eventuais comentários, e a incerteza sobre resultados. Não dá pra prever o resultado de um processo que busca inovação. É isso: não dá pra prever o resultado de um processo que busca o ‘novo’.

Se acostume com isso: quem inova não sabe o que vai acontecer. O desbravador competente sabe o que está fazendo, mas desconhece o resultado. Ele simplesmente convida a todos para verem o nascer de um sol em um lugar e horário onde na realidade ele não faz a menor ideia se de fato ocorrerá. Só dá pra fazer isso acreditando em si mesmo. Acreditar onde se pisa, e acreditar que logo ali há de surgir um novo terreno pra pisar. Esse terreno é a novidade, o novo que brotou do processo de inovação. O desbravador fareja o novo que emergirá através da busca, do estudo, do preparo, do bom convívio, e principalmente da experimentação contínua.

Se inovar é uma arte, lembre-se: mesmo os grandes artistas sempre relatam o frio na barriga antes de todo show. Esse é o preço de não viver dentro de uma rotina morta, é o preço de querer se submeter ao mistério. Mas é essa energia que faz você avançar, porque você sabe na verdade que ela é inevitável, é incontornável para poder crescer e fazer o que tem que ser feito.

Por isso eu digo: da próxima vez que você quiser inovar, inove. Faça o seu trabalho de casa bem feito e realize. É preciso ter preparo, cuidado e calcular os riscos. Mas não esqueça que a vitória é feita também de persistência, coragem e cara de pau.