Sustentáveis críticas

Pedro Rivas

Doutor pela Rennes Business School (França), PMP. Professor (ESPM). Cultura, Comunicação e Sustentabilidade.

É comum ouvirmos muitas críticas à crescente popularização da temática ESG, e também dos seus exageros. Sem dúvida, tem muita coisa fora do lugar, mas temos que ter cuidado para não desprezarmos os avanços, junto com o que não presta. O termo ocupou um espaço não só nas narrativas corporativas e nos noticiários, mas também nos departamentos das empresas, nas normas, nos cursos, em toda parte. Se a ‘ascensão do ESG’ ainda não é suficientemente legítima, vamos expandí-la, aprofundá-la, vamos apurar nosso senso crítico.

Mas é preciso lembrar que quando criticamos de forma exagerada, nós podemos servir de auxiliares para quem quer fazer da pior forma, da maneira mais grotesca, justamente porque é às empresas incautas que mais interessa 1 dos 2 caminhos: (1) Falar exageradamente mal da Agenda ESG e desqualificá-la ou (2) Falar exageradamente bem, de forma deslumbrada, de modo que fiquem insensíveis às incoerências que ainda existem. Por isso também não acredito em frases categóricas como: “As empresas que se não se adequarem vão sumir do mapa”. Muitas delas vão desaparecer, mas outras não, e até lá, violências continuam ocorrendo. A consciência global não chegou num ponto de extinguirmos o investimento irresponsável e sedento por lucros no curto prazo, e ele deve persistir ainda por muito tempo.

Claro que é preciso considerar que nem todas as empresas que se ‘preocupam com ESG’ são necessariamente empresas que estão gerando impacto positivo no mundo. Acho expressões tipo: “empresa ESG” um desserviço. Basta passar um olho em quem são as empresas que compõe o ISEB3, índice de sustentabilidade da Bovespa. Certamente vamos perceber que ali não é a seleção de empresas salvadoras do mundo. São empresas que demonstram empenho, dedicação e comprovam avanços. Não cabe confete.

Prefiro pensar, que, de modo substancial, as coisas continuam muito parecidas como configuração global, apesar destes avanços. Porém muitas violências aos direitos humanos já não passam em branco. Comportamentos racistas, machistas, misóginos, homofóbicos, transfóbicos, etaristas, capacitistas, ‘já’ estão sendo apontados, acusados, barrados, indiciados e condenados, e isso tem uma importância muito grande. Fotografias que mostram equipes sem diversidade nenhuma nas coberturas de arranha-céus já começam a estranhar aos olhos da opinião pública.

Nós podemos também pensar em ESG sob o prisma da inovação. A própria inovação apresenta duas formas de acontecer: incremental e disruptiva. A adesão a normas, compliance, relatórios de sustentabilidade, a meu ver, dizem respeito a inovações incrementais, que não mudam necessariamente de modo radical a configuração do jogo, mas facilitarão na frente uma mudança mais efetiva. 

Nós precisamos de mudanças disruptivas no nosso modelo de produção que nos tragam mudanças mais substanciais, que mudem o cenário da emissão de gases do efeito estufa, que mudem a configuração de desigualdade social absurda, do trabalho infantil, da exploração sexual de qualquer espécie, do desmatamento, da poluição dos mares. Tudo isso é fundamental. E para isso, não podemos aceitar que soluções incrementais sejam vendidas como soluções disruptivas, como se algo fosse ser resolvido definitivamente, ou como se a organização de fato estivesse mudando todo o cenário da sua atuação. Porém não vamos nos desfazer dos avanços, mesmo que pequenos, considerando-os no seu lugar, sem exageros, de forma ponderada.  

A COP27 está nos mostrando de forma evidente este paradoxo: a pauta das mudanças climáticas está ganhando cobertura cada vez maior, empresas começam a se comprometer, mesmo as que nunca haviam se manifestado. Os Acordos estabelecidos em Paris, em 2015, não vêm sendo cumpridos, porém não podemos negar que novos esforços estão sendo feitos, e que empresas começam a se mobilizar mesmo que tardiamente. O BNDES acaba de fazer um anúncio sobre novas exigências de realização de inventário de emissões para obtenção de crédito.

Precisamos tratar do Greenwashing, da falta de coerência, de consistência, da cara de pau e falta de vergonha na cara. Vamos à luta, mas vamos manter de pé o que já construímos. O espírito do nosso tempo é de conciliação, convivência, coexistência, pluralidade, mas também de radicalização no sentido da natureza das coisas, da clareza de idéias, na definição de cursos, e da não aceitação de propostas que não resolvem nada. Vamos adiante! 

Eu não sei se acontece com você. Novos conceitos, novas metodologias, novas abordagens têm sempre algum potencial de serem vistos de forma meio atravessada num ambiente profissional, a depender de onde esteja. Seria medo?

É preciso saber que quando se trata de inovação há sempre risco. Para a gente se disponibilizar para o novo, será preciso abrir mão de alguma zona de conforto. Mas a questão não é tão simples. Geralmente esse medo está entranhado. É preciso tempo e persistência para vencê-lo.

Muitas vezes um processo de inovação envolve reunir pessoas, desenvolver dinâmicas. “Precisa abraçar?” Pergunta o engraçadinho. Pois bem. Mais difícil do que participar daquelas dinâmicas de grupo é organizá-las. Sim. Se quando você participa de uma dinâmica, você tem medo de ser solicitado pra fazer algo, talvez seja porque você não conhece o medo de ter que pedir aquilo para as pessoas. Para organizar estes encontros, você precisa marcar aquela reunião, chamar as pessoas, lidar com os atrasos, como celular das pessoas, o whatsapp, os olhares, as queixas ocultas, a pressa para ir embora, e tudo mais. Tudo isso com a pressão de no final do processo apresentar um relatório que justifique todo aquele HH investido.

Depois de iniciado o encontro, mesmo que tudo comece direito, você terá ainda todo o trabalho pela frente. E não tem jeito: você terá que lidar com os silêncios, os vazios, a imprevisibilidade, a dúvida, eventuais comentários, e a incerteza sobre resultados. Não dá pra prever o resultado de um processo que busca inovação. É isso: não dá pra prever o resultado de um processo que busca o ‘novo’.

Se acostume com isso: quem inova não sabe o que vai acontecer. O desbravador competente sabe o que está fazendo, mas desconhece o resultado. Ele simplesmente convida a todos para verem o nascer de um sol em um lugar e horário onde na realidade ele não faz a menor ideia se de fato ocorrerá. Só dá pra fazer isso acreditando em si mesmo. Acreditar onde se pisa, e acreditar que logo ali há de surgir um novo terreno pra pisar. Esse terreno é a novidade, o novo que brotou do processo de inovação. O desbravador fareja o novo que emergirá através da busca, do estudo, do preparo, do bom convívio, e principalmente da experimentação contínua.

Se inovar é uma arte, lembre-se: mesmo os grandes artistas sempre relatam o frio na barriga antes de todo show. Esse é o preço de não viver dentro de uma rotina morta, é o preço de querer se submeter ao mistério. Mas é essa energia que faz você avançar, porque você sabe na verdade que ela é inevitável, é incontornável para poder crescer e fazer o que tem que ser feito.

Por isso eu digo: da próxima vez que você quiser inovar, inove. Faça o seu trabalho de casa bem feito e realize. É preciso ter preparo, cuidado e calcular os riscos. Mas não esqueça que a vitória é feita também de persistência, coragem e cara de pau.